Coração em chamas
Na alma o chamado
Quem é seu amado?
Por que tanta dor?
Coração em chamas
A cura é rio
O Rio que navega
Lento até o mar
A cura é amar
Coração em chamas
Na cabeça, ódio
No corpo descontentamento
Sabedoria aguarda o momento
A hora certa de enlouquecer
Coração em chamas
Cabeça insana
Sede de sangue
Bombeia sentimentos
Bombardeia ideias
Guerra!
Sou mulher SÓ
A lutar
Coração em chamas
Batalha vencida
Aprendeu que inteira
Não pode estar adormecida
Despertou para vida
Entendeu o recado
A força bruta é a vida
Que não se desiste fácil
Coração em chamas
Desde pequena
Motivos secretos
Nos olhos calados
Desejos inquietos
Coração em chamas
Na dor e na alegria
Tanto faz, tudo é sinal de vida
Agradecer é a via
Para se viver mais leve
Coração em chamas
No corpo breve
Na vida efêmera
Na alma contínua
Esteja a vida como estiver
Seja grata, mulher!
Aline Rafaela Lelis
Notas de Celular (outubro de 2019)
De todos os seres existentes (e os há aos milhões), o homem é apenas um. Dentre os milhões de homens que vivem na Terra, o povo civilizado que vive da agricultura é apenas uma pequena proporção. Menor ainda é a quantidade dos que, homens de escritório, ou de fortuna, viajam, de carruagem ou de barco. E, destes todos, um homem na carruagem nada mais é do que a ponta do fio de cabelo no flanco de um cavalo. Por que, então, toda esta agitação acerca de grandes homens e de grandes empregos? Por que todas as discussões dos eruditos? Por que todas as controvérsias dos políticos? Não há limites fixos, o tempo não permanece imóvel. Nada dura. Nada é final. Você não pode segurar o fim ou o princípio. O sábio vê o próximo e o distante como se fossem idênticos. Ele não despreza o pequeno, nem valoriza o grande. Onde todos os padrões se diferem, como poderá você comparar? Com um olhar ele se apodera do passado e do presente; sem tristeza pelo passado. Nem impaciência pelo presente. Tudo está em movimento, tem experiência da plenitude e do vazio. Não se rejubila no sucesso, nem lamenta o insucesso. O jogo nunca está terminado. O nascimento e a morte são iguais. Os termos nunca são finais.
Os Dilúvios de Outono, Chuang Tzu. MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. pp- 133-134)
Oração
Enquanto aguardava o ônibus na guarita, percebi que estava no meio de uma estrada e que dois homens me observavam invasivos e sedentos. Talvez esperando qualquer “sinal” meu que eles pudessem interpretar “essa aí tá pedindo”. Eu comecei a ficar nervosa e angustiada. Os dois me olhavam e conversavam entre si. Enquanto isso, os motoristas que passavam em suas carretas gritavam qualquer coisa, “cantada?”. Foi então que comecei a pensar em todas as mulheres que talvez, naquele momento, estivessem passando pela mesma situação, com medo, sentido-me culpada antecipadamente por um crime que sequer havia ocorrido. Eu pensava: “Se aqueles homens que me observam há um metro de distância ou qualquer homem que parasse seu automóvel agora me violentasse, eu seria a culpada, afinal, por que não escolhi outro lugar para pegar o ônibus? Ou por que não resolvi meu problema antes, para não precisar estar aqui sozinha? Ou ainda, por que estou de cropped na beira do asfalto?” Fiquei com vontade de chorar. Coração apertado. Daí comecei a pedir ajuda das deusas, fui evocando mulheres que admirava, pensando nas minhas ancestrais, e uma canção foi entoada. Senti meu corpo arrepiar e a presença de uma forte energia que acalentava meu desespero. De repente me senti forte. Me senti uma guerreira e juro que seria capaz de destruir qualquer homem que atentasse contra meu corpo. A canção entoada foi assim:
“Iansã me proteja de todo mal de todo homem.
Iansã me proteja de todo mal de todo homem”.
Entoei essa canção e marquei o ritmo com palmas. Senti no coração a força de uma legião de mulheres guerreiras. Não parei de cantar um segundo. Até que os dois homens que me observavam foram se distanciando, e em pouco tempo um homem uniformizado se aproximou. Ele era funcionário da empresa de transporte que eu aguardava, esperava o mesmo ônibus, chegou com serenidade nos olhos, não o vi como ameaça. Diminuí meu canto e passei a repeti-lo mentalmente. Meu ônibus chegou. Mandei uma mensagem para uma amiga sobre como estava me sentido. Ela respondeu: “Sinto muito que esteja se sentindo assim. Sinta-se abraçada. Você não está só!”
Aline Rafaela
Se você morresse para o passado, se morresse para cada minuto, você seria uma pessoa que está viva por completo, porque um indivíduo vivo é aquele que está cheio de mortes.
MELLO, Anthony de. Despertando para o Eu. São Paulo: Siliciano, 1991. p.170
Meus sonhos não cabem no coração!
Meus sonhos nunca ficam guardados
Eles têm asas próprias
Voam por aí buscando pouso
Não param nunca.
E eu?
Eu só acompanho o voo deles.
No fundo sei que tudo vale e não vale ao mesmo tempo
Então é preciso ter a destreza de não levar a vida tão a sério
O sonho está lá
A brilhar nos céus
Ele é que observa a gente lá do alto
Se ele vai pousar ou não
Se ele vai encontrar expressão,
Se vai tomar forma,
Não muda a nossa realidade mais intrínseca
De um dia nunca mais abrir os olhos e a boca
A gente perece
Mas o sonho não
"Sonhos não envelhecem".
Ficam soltos no ar
Eles nem são nossos
Os sonhos pertencem
A humanidade cósmica.
Aline Rafaela Lelis
A distância que aproxima,
Não posso explicar,
Saudade de pai.
Saudade de tudo nele,
Da pele preta,
Dos braços fortes,
Do seu coração macio,
Pronto para receber amor.
Saudade de quando pai pegava o carro,
E levava a gente ainda criança para conhecer algum lugar:
A cidade que nasceu,
Lugares que ele passou.
Sempre gostei desses pequenos passeios.
Não esqueço as estradas,
As casinhas simples de beira de estrada,
O rio correndo ao fundo do quintal e da casa abandona, onde dentro cresceu a goiabeira.
Lembro também de historias de preto velho
Silenciadas pelo medo, ou pelo respeito.
Ainda não descobri porque foram silenciadas
Mas pai e família de pai
Traz em si muita coisa que veio de além mar,
Historias de pretos africanos.
Pai fez crescer em mim o gosto pela viagem
A inquietude de quem busca conhecer o mundo
De quem busca na inconstância, sabedoria.
Ainda quero parar para ouvir suas historias de menino,
Os caminhos que percorreu,
As difíceis histórias que viveu
E que hoje ficam na memória,
De um homem que às vezes se parece triste,
Mas pai! quero viver para te encher de vida!
Realizar seus sonhos que a vida por algum motivo não permitiu que fossem realizados até agora,
Comprar-te um barquinho e uma casinha no mato,
Levar-te a lugares que o senhor não pensou estar antes
Ver-te sorrir e brincar com os netos,
Com a paz de quem não quer chegar a lugar nenhum,
Apenas imortalizar-se em nossos corações.
Com todo amor do mundo,
Aline Rafaela Lelis
(Escrito em 11 de julho de 2015)
64 ANOS DE AMOR! O HOMEM QUE VERDADEIRAMENTE ADMIRO E QUE, ACIMA DE TUDO, MERECE A MINHA ADMIRAÇÃO.
Todo mistério de terra, oceano, céu e vulcões. Todo mistério do Planeta e você é só mais um. Um lindo mistério assustado diante desse mundão, assustado diante do espelho. Ser algo incompreensível e indizível. Devíamos todos falar através do silêncio. O mundo todo precisa de silêncio. Viver é completamente solitário e temos que aprender a ficar confortáveis na nossa própria solidão. Esse é o aprendizado. Mal sabemos lidar com nossas emoções e sentimentos. Criamos ciências para explicar tudo. Inclusive a nós mesmos. Mas ainda assim a vida continua um enigma. A morte também. Estamos aqui agora, mas sinto que carregamos muitos vestígios de outros tempos. Dessa vida e de outras. Nós somos uma herança cósmica.
Aline Rafaela
Uma ocasião especial é qualquer ocasião à qual a alma esteja presente.
Estes, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias.