Carolina Maria de Jesus, no livro ‘50 poemas de revolta’. São Paulo: Companhia das Letras, 2017 https://www.instagram.com/p/BqaLnWdFC3P/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=tsaiur0uiipn
Mudei tanto nos últimos anos que certas atitudes e escolhas são estranhas a mim. Não me reconheço naquela menina que fui e ao mesmo tempo tenho consciência de que ela existiu. É tão bom amadurecer, como dizia Belchior: “tudo muda, e com toda razão”. E meu coração se enche de alegria quando olho para trás e vejo que de tempos em tempos precisamos sair do casulo para transformarmos em belas e coloridas borboletas.
Aline Rafaela
Moço, você que tens a elegância de um deus negro e um olhar que só se revela no escuro, como bicho selvagem, penetra-me a alma sem medo do que vai encontrar. Há algum tempo eu andei fugindo, e minhas fugas me fizeram viajar longe, em pensamentos estranhos e irreconhecíveis. Moço, eu andei hipnotizada, com a cabeça zonza e pesada. Eu o via na escada todos os dias me olhando solitário, mas entre nós havia uma barreira invisível. Moço, você foi me ver, ainda fazia pouco que havia retornado ao meu mundo, e nos aproximamos receosos. Mas moço eu agora estou quase virando estrela e uma nova luz sobre mim irá pairar. Mas sabe-se lá o que o futuro nos reserva. Sabe-se lá o que nos espera.
Aline Rafaela
O apreço pela jornada é uma questão de sobrevivência. É preciso gostar do eu, topar se arrepender, ver orgulho na caminhada por si só. Sabe, não dá pra ter tristeza muito longa, nem alegria de mentira. Há tempo e há vida.
MAGALHÃES, Mallu. Documentário Turnê Vem. 2017-2018.
Os jovens têm que saber isso: a vida passa e se esvai. Minuto a minuto. E você não pode ir ao supermercado comprar a "vida". Então, lute para vivê-la!
José Alberto Mujica Cordano
O que acham que a maioria das pessoas está fazendo na vida? Impressionando os outros, nada mais. Fazendo de tudo para não serem criticadas. Buscando aceitação. Fico me perguntando quantos seres humanos não estão obcecados com isso, vinte e quatro horas por dia, de forma consciente ou não. A consequência? Pouquíssimas pessoas vivem de fato.
MELLO, Anthony de. Redescobrindo a vida: desperte para a realidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p.117.
A vida humana se destina a findarmos as misérias da existência material. A sociedade contemporânea está tentando colocar fim nessas misérias mediante o progresso material. Entretanto, é visível a todos que, apesar do vasto progresso material, a sociedade humana não está em paz.
Bhaktivedana Swami Prabhupada, A. C. Em busca do verdadeiro Eu. São Paulo: Book Trust, 2016. p.27.
Adoro gente que não sente necessidade de preencher o silêncio dentro de um espaço-tempo. Gente que sabe que o silêncio não precisa ser incômodo. Gente que acredita no silêncio como forma de obter paz.
Aline Rafaela Lelis
A gente custa a morrer,
mas quando nascemos,
é subitamente lindo.
A gente só se pergunta por que demorou tanto.
Aline Rafaela
Desde criança a vida me ensinou a ser forte
Dez anos de idade e sem poder contar com a sorte
Senti a mão da mulher branca no meu peito
Ela dizia: “Quem você pensa que é negrinha?”
“Perdeu o respeito?”
Num gesto brusco indicando: Pare!
A mulher continuou o dispare:
“Daí para frente você não vai mais”
“Só as crianças brancas podem entrar”
Naquela ocasião, lembro-me bem
Era uma excursão escolar
O nome da mulher?
Cleuza Nogueira Araújo
A professora do gesto absurdo
Minha mente de criança
Assimilou o gesto de Cleuza
Da pior forma possível
Entendi com aquele gesto
Qual o meu limite para a vida
Se for para ir mais um pouquinho
Entrada proibida
Cresci atenta ao limite
Daqui eu não posso passar
As mãos de Cleusa no meu peito
Fez-me entender meu lugar
Aos 13 anos de idade fui trabalhar
Pai peão, mãe dona de casa
Oito filhos para cuidar
Pajear crianças brancas
Era o único jeito de a minha família eu ajudar
Meus estudos, meus sonhos
E aquele vestido azul com laço
Estavam do lado de lá da linha
Fora do meu alcance
Em outro espaço
Foi aos 10 anos de idade
Que aprendi com uma professora
Que minha vida seria sempre do lado de cá
Da fronteira
Levando porrada na trincheira
Aos 15 anos me casei
Fui promovida de babá
A esposa e empregada doméstica
Sempre sabendo meu lugar
Por que aos 10 anos
Aprendi aonde posso ir
E onde posso entrar
E eu entrei na vida do avesso,
Meu apelido é “Dadá”
A única coisa que me disseram
Quando vi ao mundo foi:
“A vida pra nossa gente é dura
Você vai ter que se virar”
Eu me virei do jeito que sabia
Doei a minha vida
A quem não podia
Sequer me enxergar
Dadá vêm de da-da, doa-da
Investi a minha vida à doação
Doei meu sorriso
Doei meus sonhos
Doei meu tempo
E até meu leite
Servi contente
Para manter os dentes
Àqueles de olhos quentes
De autoridade em chamas
Atentos aos meus passos:
“Dadá, não limpou os meus sapatos?”
“Hoje você não leva as sobras do jantar”
A chama da vida
Que havia no meu peito,
Congelou aos dez anos de idade
Quando Cleusa colocou a mão
Naquele corpo pequenino,
E com um gesto simples e castrador
Ensinou-me meu lugar no mundo
Entendi que nessa vida
Seria impossível realizar
Meus desejos mais simples
E profundos
Hoje, aos 75
E uma vida inteira de doação
Ainda posso sentir aquela mão
Sobre o meu peito
A inocência de acreditar
Que aquela excursão seria
O dia mais perfeito
Ainda arde e queima
Recordo-me de mamãe
Sempre muito caprichosa
Dizer orgulhosa:
“Lavei e quarei o seu uniforme,
Mais tarde vou lá na Fatinha
Vê se ela me empresta
Um pedaço de sabonete
Amanhã você vai cheirosa
Para escola, que é pra professora
Não botar defeito”
Mamãe de quebra
Assou-me um bolo
Em uma lata de sardinha
Mal sabia ela
Que de nada ia adiantar
Sua filha alimentada e
Limpinha
Se aquele não era o meu lugar
Na cadeira que descanso agora,
Balançando para frente e para trás
Te conto olhando nos olhos
Minha história tão mordaz
Leva menina,
Leva essas histórias para o mundo
A voz que tu ouve no coração
É a voz de uma legião
De homens e mulheres humilhados
Esperando cura e alivio
Nas palavras de corte e veludo
De uma geração de iluminados
Conscientes do passado e do legado
Geração que entende a importância
De reverenciar seus antepassados
E garantir que nossa história seja contada
Que a justiça seja feita
Mesmo que simbólica
Mesmo que imperfeita
É assim que é a vida
É assim que é a história
Promessa de continuidade
Reverência à memória
Daqueles que sonharam
Suas vidas com mais dignidade
Aline Rafaela Lelis
Escrito em 02 de maio de 2019