Quando A Minha Alma Se Afastou De Mim, Perdi-me Em Labirintos De Pensamentos Confusos E Sem Fim. Meu

Quando a minha alma se afastou de mim, perdi-me em labirintos de pensamentos confusos e sem fim. Meu corpo se enfraqueceu e todo o senso de proteção que eu tinha se foi. Passei a viver desprotegida como se eu fosse uma tartaruga sem casco, que diante do perigo, não pudesse se esconder. Fiquei durante anos assim, nua, enfrentando o inverno gelado despida de dignidade.

Para os xamãs, quando isso acontece, quer dizer que a nossa alma tomou um susto. E era exatamente assim que eu me sentia, assustada, porém, sem reação.

No caminho encontrei muitas pessoas dispostas a sangrar as feridas ainda expostas. E elas cutucaram cada lesão num tom sádico, sem compaixão ou misericórdia. É incrível como as pessoas diante da fraqueza das outras, constroem suas fortalezas. Pura vaidade, e de certa maneira a pior fraqueza de todas.

Encontrar a minha alma-essência, que hoje não está mais perdida, mas sim escondida, é o que tem lentamente me movimentado. Sinto o meu coração bater de modo automático, assim como a minha respiração, que inspira qualquer coisa parecida com ar. Os meus olhos há muito tempo  não veem nada de novo. Meu tato já não sabe mais o que é desejo, ou prazer, vive com medo do porvir. Estou em estado de flor, aquela florzinha murcha que precisa de cuidados para não morrer.

Todos nós viemos ao mundo despreparados. Para o espetáculo que é a vida não há ensaio. A peça se desenrola sem uma passada de roteiro breve, quando nascemos, já caímos no palco como personagens principais, diante de uma plateia que nos aguarda ansiosas.

Culpei-me muito por não saber como reagir diante de um público desconhecido. Eu sorria sem graça me perguntando lá no fundo se havia agradado aqueles expectadores.

Agradar é um verbo perigoso. Quando era criança fui ensinada a não dizer o que eu penso para agradar as pessoas. Aprendi também, que mulheres devem ser polidas, bem comportadas, cozinhar bem e principalmente agradar o sexo oposto.

Na infância a gente aprende subliminarmente tanta coisa inútil! Nessa época já começamos a nos distanciar de nós para tornarmos quem não somos. Eu resisti muito, resisti anos para não me perder, mas chegou um tempo que a minha fé era pouca, e eu fiquei feito louca, perdida na multidão.  Hoje em dia penso que sou digna de sentir meu coração vivo novamente. Sou merecedora de amor e de pessoas caridosas e cheias de luz à minha volta.

Para me encontrar não meço esforços. Distancio-me aos poucos de tudo aquilo que não sou. Gradativamente consigo adentrar a minha floresta sagrada. E é lá o lugar de reencontros. Topar de frente comigo mesma é questão de tempo. E, quando isso acontecer, quero abraçar-me demoradamente e tocar cada pedacinho de mim, me sentir amada e desejada. Feliz e lisonjeada com tanta auto dedicação.

Há pessoas que também se sentem flores, mas ficam à mercê dos outros para serem regadas e cuidadas. Eu estou cuidando do meu jardim já faz um tempo, observo tranquila e orgulhosa cada sementinha que cresce lenta. Sigo paciente (na maioria das vezes), certa de que não vai demorar para o meu jardim florir todo. Então, muitas flores irão me enfeitar, e meu perfume vai se espalhar pelos quatro cantos. Perfume de dor e pranto, mas também perfume superação, de amor próprio, de amadurecimento e de felicidade transbordante.

De tempos em tempos, precisamos parar para cuidar de nós mesmos e nos ver mais como terra, como água, como luz e como vento. Deixar que os mistérios tomem conta do coração e entender que viver ultrapassa todo o entendimento.

Aline Rafaela

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Desde criança a vida me ensinou a ser forte

Dez anos de idade e sem poder contar com a sorte

Senti a mão da mulher branca no meu peito

Ela dizia: “Quem você pensa que é negrinha?”

“Perdeu o respeito?”

 Num gesto brusco indicando: Pare!

A mulher continuou o dispare:

“Daí para frente você não vai mais”

“Só as crianças brancas podem entrar”

 Naquela ocasião, lembro-me bem

Era uma excursão escolar

O nome da mulher?

Cleuza Nogueira Araújo

A professora do gesto absurdo

 Minha mente de criança

Assimilou o gesto de Cleuza

Da pior forma possível

Entendi com aquele gesto

Qual o meu limite para a vida

Se for para ir mais um pouquinho

Entrada proibida

 Cresci atenta ao limite

Daqui eu não posso passar

As mãos de Cleusa no meu peito

Fez-me entender meu lugar

Aos 13 anos de idade fui trabalhar

Pai peão, mãe dona de casa

Oito filhos para cuidar

Pajear crianças brancas

Era o único jeito de a minha família eu ajudar

 Meus estudos, meus sonhos  

E aquele vestido azul com laço

Estavam do lado de lá da linha

Fora do meu alcance

Em outro espaço

Foi aos 10 anos de idade

Que aprendi com uma professora

Que minha vida seria sempre do lado de cá

Da fronteira

Levando porrada na trincheira

 Aos  15 anos me casei

Fui promovida de babá

A esposa e empregada doméstica

Sempre sabendo meu lugar

Por que aos 10 anos

Aprendi aonde posso ir

E onde posso entrar

 E eu entrei na vida do avesso,

Meu apelido é “Dadá”

A única coisa que me disseram

Quando vi ao mundo foi:

“A vida pra nossa gente é dura

Você vai ter que se virar”

Eu me virei do jeito que sabia

Doei a minha vida

A quem não podia

Sequer me enxergar

 Dadá vêm de da-da, doa-da

Investi a minha vida à doação

Doei meu sorriso

Doei meus sonhos

Doei meu tempo

E até meu leite

 Servi contente

Para manter os dentes

Àqueles de olhos quentes

De autoridade em chamas

Atentos aos meus passos:

“Dadá, não limpou os meus sapatos?”

“Hoje você não leva as sobras do jantar”

  A chama da vida

Que havia no meu peito,

Congelou aos dez anos de idade

Quando Cleusa colocou a mão

Naquele corpo pequenino,

E com um gesto simples e castrador

Ensinou-me meu lugar no mundo

 Entendi que nessa vida

Seria impossível realizar

Meus desejos mais simples

E profundos

 Hoje, aos 75

E uma vida inteira de doação

Ainda posso sentir aquela mão

Sobre o meu peito

A inocência de acreditar

Que aquela excursão seria

O dia mais perfeito

Ainda arde e queima

 Recordo-me de mamãe

Sempre muito caprichosa

Dizer orgulhosa:

“Lavei e quarei o seu uniforme,

Mais tarde vou lá na Fatinha

Vê se ela me empresta

Um pedaço de sabonete

Amanhã você vai cheirosa

Para escola, que é pra professora

Não botar defeito”

 Mamãe de quebra

Assou-me um bolo

Em uma lata de sardinha

Mal sabia ela

Que de nada ia adiantar

Sua filha alimentada e

Limpinha

Se aquele não era o meu lugar

 Na cadeira que descanso agora,

Balançando para frente e para trás

Te conto olhando nos olhos

Minha história tão mordaz

 Leva menina,

Leva essas histórias para o mundo

A voz que tu ouve no coração

É a voz de uma legião

De homens e mulheres humilhados

Esperando cura e alivio

Nas palavras de corte e veludo

De uma geração de iluminados

Conscientes do passado e do legado

Geração que entende a importância

De reverenciar seus antepassados

E garantir que nossa história seja contada

Que a justiça seja feita

Mesmo que simbólica

Mesmo que imperfeita

É assim que é a vida

É assim que é a história

Promessa de continuidade

Reverência à memória

Daqueles que sonharam

Suas vidas com mais dignidade

Aline Rafaela Lelis 

Escrito em 02 de maio de 2019


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Por que eu tenho tanto medo de me contradizer eu não sei. Mas é quase impossível estar nesse mundo de contradições e não se contradizer. Devia exigir menos de mim e permitir todo tipo de paradoxo. Porque no fundo, tudo faz parte de um todo: dia e  noite, bem e mal, claro e escuro, sertão e mar, amor e ódio,  corpo e alma, morte e vida.  A partir de agora me permito viver sem essa de 8 ou 80. Dou-me o direito de ficar no meio, dar-me-ei o luxo de não escolher, mesmo que for para viver de ilusões. 

Aline Rafaela

“Apesar de sagaz, não compreendo o que está me acontecendo. E o mundo a me exigir decisões para as quais não estou preparada. Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos, mas também decisões sobre a melhor forma de ser”.  Lispector, Clarice. Um Sopro de Vida.

A vida humana se destina a findarmos as misérias da existência material. A sociedade contemporânea está tentando colocar fim nessas misérias mediante o progresso material. Entretanto, é visível a todos que, apesar do vasto progresso material, a sociedade humana não está em paz.

Bhaktivedana Swami Prabhupada, A. C. Em busca do verdadeiro Eu. São Paulo: Book Trust, 2016. p.27.  

ESCORPIÃO

Ele não é muito de palavras, e isso é bom, porque tenho aprendido que atitudes são muito maiores que discursos, e que ações são infinitamente maiores que promessas. Que bom que ele apareceu assim, silencioso, sem alarde, sem enfeites. Ele não ensaia intensidades, não dá para trás, não se deixa levar pelo medo. Na verdade, ele tem plena consciência que o medo faz parte. E se entrega com tanta verdade, e mergulha com tanta vontade... Ah... e o que dizer quando ele vai fundo... 

Esquecemos do mundo e nos abraçamos profundo. 

Aline Rafaela 

Só se for a dois

Hoje só vou se for a dois,

Só fico se for a dois,

Só vivo se for a dois,

Só amo se for a dois.

Chega de ser só, de ser um.

Hoje quero abraçar-te por trás, 

sentir meu rosto sobre suas costas quente

e dizer que te desejo para o resto da minha vida.

 Quero servir-te almoço, sentar no seu colo,

 beijar-te a boca e sentir suas mãos apertando minha cintura.

À tarde passear no parque, 

sentar na grama e me recostar nos seus braços.

 Quero compartilhar meu sono contigo e acordar tranquila.

 Dizer baixinho que te amo e gozar na nossa intimidade uníssona.

Aline Rafaela

(Escrito em 2014)

Não que eu não quisesse tê-lo por perto.

Não era esta a questão.

A questão era eu.

Sempre transbordando, 

Sempre à flor da pele.

Sempre na contramão.

Não,  tê-lo por perto tornava tudo muito mais fácil.

Eu preferi colocar à prova minha sanidade,

E caminhar sozinha.

Aline Rafaela

(Escrito em 2014)

Meu amor despedaçado  hoje chora baixinho no peito Pego o telefone para te esculachar, mas desisto e me dou o respeito.

Se muitas mulheres passaram por sua cama muitos homens eu impedi que me tocassem não sei se me arrependo disso ou me arrependo de um dia ter te amado meu erro é ingenuidade os seus erros covardia? não dizer do rebento àquela menina?

A partida é esperança de uma vida mais tranquila mais tinta e pincel mais desenhos e texturas

A volta é vaga e duvidosa muita coisa me espera um corpo alto e esguio  me chama e se revela

Meu coração machucadinho só quer entender por que de dois corpos  fizemos um fundimos nossas almas. Erro irremediável ou desejo incontrolável?  À morte de um amor único  estamos condenados.

O intervalo de tempo que nos separa é para eu me reinventar e, se dessa reinvenção você permanecer quer dizer que o destino se cumpriu, mas se o meu amor esmaecer não condene a quem partiu.

De tanto tentar achar o culpado, acabei enxergando minha parcela de culpa  no entanto me livro desse peso  prefiro ir à luta.

Tudo que eu preciso neste momento é de você bem longe de mim tudo que eu quero ser: flor amarela de jasmim.

Aline Rafaela

(Escrito em 2014)

Os jovens têm que saber isso: a vida passa e se esvai. Minuto a minuto. E você não pode ir ao supermercado comprar a "vida". Então, lute para vivê-la!

José Alberto Mujica Cordano

“Mas é preciso ter força/ É preciso ter raça/ É preciso ter gana sempre/ Quem traz no corpo a marca/ Maria, Maria/ Mistura a dor e a alegria/ Mas é preciso ter manha/ É preciso ter graça/ É preciso ter sonho sempre/ Quem traz na pele essa marca/ Possui a estranha mania/ De ter fé na vida”. (Milton Nascimento)

Quando era criança, por volta dos seis anos, me lembro bem, aliás, fato que nunca mais esqueci – uma menina branca, de cabelos loiros e olhos bem azuis da minha escola. Eu, sem saber por que,  admirava gratuitamente aquela encantadora menina, sem mesmo saber o que era admiração.

Certo dia, quando minha mãe buscou-me da escola e resolveu passar na casa de minha avó (vó Lilia), eu, criança estranha brincava na copa escura pensando loucuras. Minhas loucurinhas de criança filósofa, quando me deparei ali na minha intimidade, com a menina dos meus sonhos. Fiquei anestesiada. Que raios aquela “princesa” fazia ali? Sua mãe havia levado costura para minha tia, a Maria Costureira, e ela, doce e meiga acompanhava a mãe timidamente. Eu tinha seis anos e ela cinco.

A copa, a meus olhos ficou iluminada com sua presença, sua pele clara e macia, seus olhos azuis emanavam luz pelo cômodo sombrio. Olhos grandes, assustados, confusos e cor do céu. Cabelos lisos, sedosos e amarelos. Aquela menina era tudo que eu queria ser e não podia. Eu a via na escola e me entristecia. Por que Deus fazia algumas pessoas tão belas e outras não? Tentava por mim mesma decifrar esse mistério. Por que havia eu ter nascido tão feia, de pele negra, cabelos crespos, testa avantajada?

Aquele dia nós duas brincamos, coisa que não fazíamos na escola. Eu a tocava cuidadosamente, como um fiel toca uma imagem santa, na crença de alcançar alguma graça, alguma cura ou verdade. E naquele momento eu realmente desejava alcançar a graça de um dia ser branca e ter cabelos “bons”, naquele momento pedia em silêncio a cura desse mal de ter nascido negra. Eu buscava a verdade sobre mim mesma, porque não podia ser como ela? A Santa Priscila?

Priscila era o nome dela. E, enquanto brincávamos, eu ficava feita boba, admirando sua beleza. Meninas como ela eu só via na televisão.

Sugeri que brincássemos de “salão de beleza”. Desculpa é claro para poder tocar seus cabelos demoradamente. Como eram belas as suas madeixas lisas, como deslizava por minhas mãos pequenas e como cheirava bem aqueles cabelos. Priscila interrompeu a “brincadeira” para ir ao banheiro, mostrei-a onde ficava e a esperava avidamente, com medo que ela desistisse de brincar ou que sua mãe a chamasse para ir embora. Enquanto ela estava no banheiro punha-me a pensar – “aquela menina deve ter ido fazer xixi, uma menina tão bonita quanto ela não pode fazer coisa tão suja como cocô”. Eu fazia cocô, mas também eu não era bonita, eu não era nada. Mas Priscila, a quem eu chamava carinhosamente de Pri, com tão pouco tempo de intimidade, ela não. Ela não devia fazer cocô. Tão gracinha, tão fofa, imaculada e divinizada por mim.

Priscila era minha antítese.

Depois que ela foi embora estranhamente senti algum vazio. Meu “sonho” nunca estivera tão perto como naquele dia. Dezoito anos se passaram. Priscila certamente jamais recordará desse dia. Ao contrário de mim, que carrego essa lembrança como um fardo. E de tempos em tempos, essa história ganha significados diferentes, hora trazendo superação e coragem, hora trazendo angústia e medo.

Priscila era tudo que eu queria ser e não podia, ela era branca, e isto bastava. Naquele mesmo fim de tarde, de uma brincadeira aparentemente inocente, me dei conta que eu jamais seria como Priscila, e estava condenada o resto da vida a ter a pele escura. Ao concluir isso senti medo e vazio. Nesta época eu não fazia ideia do que acontecia, eu não sabia exatamente o que era ser negra, mas sabia com muita precisão que ser branca como a Priscila era algo bom, sabia isso só de olhar para ela. Assim, naturalmente doce, naturalmente bela, naturalmente “princesa”, naturalmente santa, “virgem Maria”.

Naquela época eu ainda não sabia o que era racismo, mas o sentia nas minhas entranhas. E como doía não poder ser como Priscila. Que gosto amargo experimentar ainda na infância a sensação de não ser nada, que gosto amargo se curvar ainda tão inocente diante da brancura, sem saber exatamente o que nos leva a tanto.

Quando Priscila foi embora, entrei correndo no banheiro para confirmar minha dúvida: “gente branca caga?” Fiquei lá por alguns minutos, observei a bosta da Priscila. A bosta que ela me deixou como recompensa sem mesmo saber. O cocô boiava e eu o olhava sem pensar muita coisa. Eu nem me importei com o mau cheiro. Na verdade eu não podia nem senti-lo. Diante da brancura dela não havia bosta, não havia odor, não havia mal.

Mas havia eu. Um eu alheio a mim mesma. Um eu descontente por não poder ser como Priscila e pior, nunca poder vir a ser.

Havia dor também, esta é inevitável e desperta cedo nessa gente preta. Ainda menina é preciso lidar com um monte de coisa de gente grande e isso fatalmente não tem escolha. Priscila jamais recordará de mim. Aliás, Priscila hoje, não é uma criança branca, loira e com olhos claros. Priscila é hoje uma mulher. Branca, loira, de olhos azuis, magra. “Perfeita”. Priscila hoje, provavelmente pensa que cor é só um detalhe, para ela a cor não importa porque somo todos iguais. Priscila hoje é contra as cotas e afirma categoricamente que racismo não existe. O mundo da Priscila mulher hoje é tão irreal quanto o mundo da Priscila menina ontem.

E eu? Eu hoje, dou graças à Deus de ser diferente da Priscila. Eu hoje, agradeço meus antepassados pelo legado deixado, principalmente o legado da cor, essa cor magnificamente negra. Eu hoje sei que estou muito além de onde Priscila possa estar, ou ousa estar um dia. Hoje, eu sou um mundo inteiro e além. A brancura da Priscila um dia escureceu minhas vistas. E então eu passei a ver tudo negro. Como tinha que ver.

E ser. 

Aline Rafaela Lelis

(Escrito em  19/12/2013)

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