Dá pra fazer.
Não é que eu queira vingança. Eu apenas quero justiça. Te encontrar daqui uns tempos, um ou dois anos talvez. Eu linda, vestida de ouro, pele reluzente, cabelos macios e um sorriso branco. Quero sim estar impecável. E quero que me veja com meu novo amor. Não, não pense nele. Pense em mim, meu novo amor sou eu. E quando me ver assim lindamente leve e radiante, quero que veja a mim novamente. Doce, suave e paciente. Quero que sinta essa Oxum, que hoje navega sobre águas calmas. Quero que me veja e me reconheça, e quem sabe possa você sentir lá no fundo amor. Me deixa ir com meu amor próprio e com o amor do meu novo companheiro. E se pergunte onde foi que tudo acabou. Quero que saiba só de olhar; que para “nós” não haverá mais chance, e sinta o que eu senti quando você disse disse é o fim. Que a sua consciência do fim o faça ir na lua e voltar por um segundo. Depois vá tomar uma bebida forte e continuar fingindo que eu não faço falta na sua vida pelo resto dos seus dias.
Aline Rafaela
(Fragmentos em papel toalha, Out/2016)
(...) "Não acho que Deus saiba quem nós somos. Acho que Ele gostaria de nós se nos conhecesse, mas não acho que Ele conheça a gente.
Mas Ele fez a gente, Dona. Não?
Fez. Mas fez o rabo do pavão também. Isso deve ter sido mais difícil.
Ah, mas, Dona, a gente canta e fala. Pavão não.
A gente precisa. Pavão não. O que mais a gente tem?
Ideias. Mãos para fazer as coisas.
Tudo muito bem. Mas essa é a coisa nossa. Não de Deus. Ele está fazendo alguma outra coisa no mundo. Nós não estamos na cabeça Dele.
O que Ele está fazendo então, se não está cuidando da gente?
Deus sabe.
E explodiram em risada, como meninas pequenas escondidas atrás do estábulo adorando o perigo dessa conversa". (...)
MORRISON, Toni. Compaixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp. 77-78.
Bunda de mulata?
Não existe mais essa parada.
Gosta do meu estilo afro,
Mas não aceita meu passado.
Diz que essa coisa de cor não existe.
Eu sei, é verdade.
Mas depois vem me dizer que
Adora minha cor chocolate?
White. What?
Foi ao Brooklyn e não curtiu,
Diz que os brother não foi gentil
Que se sentiu acoado
Enquanto devia ser coroado.
White. Once more. What?
Afinal, você é um branco descolado,
Que adora música black e uma preta do seu lado
O que você precisa entender
É que tem coisa
Que não está no sangue
Está na vivência e convivência constante
White. I repeat. What?
Não venha me impor suas regras
E suas verdades triunfantes
Dê chance a si mesmo
De ir mais fundo nesse lance
E entender que o que você aprecia,
Pode ser o que o outro experencia
Como forma de resistência
Consciente ou inconsciente.
Portanto,
Muito cuidado ao dizer
O que não sente
E muito menos compreende.
White. What?
You did not feel on the skin, the indifference in the eyes of a similar.
Aline Rafaela
Não me interessa o que seus olhos tecem. Me interessa a vida que só dentro de mim acontece. Tudo que me é externo, só é possível apreender internamente. São meus os medos, as mágoas, as angústias e as preces. Só eu sei dos meus sonhos e só eu sinto meu coração se agitar e se acalmar constantemente. Só eu abro e fecho meus olhos. Só eu sinto o pulsar que é sinal de vida. Da vida que acontece dentro de mim e que só eu posso sentir. Já senti medo, já me desesperei com a consciência da vida, porque junto dela a morte nos espia. Sou eu e o todo num movimento que às vezes pede socorro, outros, literalmente vivo e morro. Vida e morte escorrem a todo momento, como as notícias que chegam com o vento. Nossa casa é a Terra, mesmo assim não cuidamos dela. Nosso mundo é Deus que nos olha pela janela. Um sopro de paz é consciência iluminando a vida. É o amor transbordando em vida. É a vida, cujo o único sentido, é o amor.
Aline Rafaela
Notas de Celular (Junho - 2018)
Carolina Maria de Jesus, no livro ‘50 poemas de revolta’. São Paulo: Companhia das Letras, 2017 https://www.instagram.com/p/BqaLnWdFC3P/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=tsaiur0uiipn
Moço, se soubesse que por detrás do seu sorriso encontraria ilusão. Já evitava de antemão esse contragosto. Te pouparia da minha fúria de mulher machucada! Que depois de cada sexo se sente usada, e não sabe aproveitar o momento sem criar grandes expectativas. Afinal, meu desejo de ser amada, não é fruto dessa madrugada. Trago as entranhas machucadas. São gerações de mulheres mal amadas. Faz parte da minha linhagem essa ânsia de amor de verdade. Amor que na realidade não é nada demais. É cuidado! Atenção de quem tem interesse de alma, de quem sonha e compartilha sonhos, de quem enxerga nos olhos da amada um horizonte de felicidade. Minha bagagem é pesada, eu sei. Mas "não vou posar de ser perfeita pra você"! Eu já tenho para mim, que eu mereço um amor real e que se importa. Uma hora esse amor bate à minha porta. E o êxtase será tão grande, que as entranhas feridas serão curadas. Da minha linhagem toda a dor será extirpada. Então, no lugar de feridas, lindas cicatrizes, de quem acreditou ser merecedora de todo amor do mundo.
Aline Rafaela
Minha alma chegou ao mundo velhinha e caduca. Desde que cheguei aqui me sinto deslocada. Sou estrangeira esperando passagem para voltar para casa. E, enquanto espero o trem da partida, permanecerei sentada nesta estação, observando tudo e estranhando muita coisa. Mas um dia o trem passa e finda esta espera. Então, poderei enfim voltar ao lar, descansar o tempo que for necessário e depois partir novamente, porque a existência é uma roda contínua.
Aline Rafaela