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a respiração que tomava era profunda e carregada de frustração . por vezes , questionava-se sobre o motivo de ainda se empenhar em mediar as tensões entre aquela amizade que , outrora preciosa , agora parecia trazer apenas desgosto . as boas lembranças vacilavam sempre que o assunto vinha à tona com aaron , e, embora ainda resplandecessem em sua mente , a cada dia a vontade de se apegar a elas se dissipava um pouco mais . era uma batalha incessante entre as convicções dele — que , a bem da verdade , eram justificadas — e a perspectiva de olivia , igualmente legítima , até mais dolorosa do que aquilo que ela e aaron haviam vivido . não que neslihan pudesse jamais confessar tal pensamento . não apenas porque sabia que ele interpretaria suas palavras de forma equivocada , mas porque prometera a liv manter silêncio . e , depois de tudo o que haviam enfrentado juntas , pedaço por pedaço dos anos cruéis que as moldaram , quebrar essa promessa estava fora de questão . ❝ sim , você considerou . no passado , e não é essa a questão . estou falando do presente . ❞ era irônico que ela insistisse para que ele deixasse o passado onde deveria permanecer — apenas como memórias — quando , no fundo , ela própria era incapaz de se desvencilhar dele . ❝ ace… pelo contrário , foi muito maior do que ela foi capaz de te dizer naquele momento . ❞ com um longo suspiro , permitiu que os ombros cedessem antes de pousar uma das palmas sobre a dele . a tensão vibrava do amigo como um fio prestes a se romper , e a gökçe detestava vê-lo assim , com os músculos retesados , consumido por emoções que lutava para conter . era como se observasse um reflexo de si mesma — alguém que , mais vezes do que gostaria de admitir , tentava desesperadamente manter a sanidade e os próprios impulsos sob controle .
❝ tenho certeza de que você pensa que a perdoei rápido demais e que , no fim das contas , ela apenas me considerou . mas foram anos . anos até que eu encontrasse uma brecha grande o suficiente para reconstruir parte do que nós duas perdemos . você realmente acha que , quando ela voltou , tudo se desenrolou como se nada houvesse acontecido ? claro que não . e , sinceramente , eu não estaria a defendendo se tudo tivesse sido tão superficial . da mesma forma que insisto em defender você para ela . ❞ apertou suavemente a mão masculina antes de retomar a postura impecável . observou-o por um instante , franzindo levemente o nariz diante do tom e dos gestos que não refletiam verdades , mas apenas uma resistência silenciosa . ainda assim , ofereceu um pequeno sorriso — desprovido de calor , mas de um humor resignado diante do leve absurdo da situação . ❝ aaron… ❞ meneando a cabeça em incredulidade , tomou fôlego mais uma vez , seu corpo inteiro se movendo com a profundidade da respiração . ❝ se você prefere acr— na verdade , esquece . posso te fazer um pedido ? e , como sua melhor amiga de todas as eras , espero que me conceda isso com sinceridade . ❞ após a última mordida no biscotti levou o guardanapo ao canto dos lábios , que relutavam em expressar algo além de descontamento, e hesitou por um instante antes de prosseguir . ❝ da próxima vez que encontrar olivia , pelo tempo que estiverem juntos , tente deixar os ressentimentos do passado no passado . é tudo o que te peço . ❞ alguém teria que ceder . e , naquele momento , apenas ele possuía essa capacidade .
❝ como você disse , tudo tem limite , e há muito venho sendo puxada para os dois lados . não posso me dividir infinitamente , e jamais escolheria um em detrimento do outro — ambos me conhecem o suficiente para deduzirem isso . no fundo , vocês também sabem que ainda há algo que merece ser rememorado , ou não fariam tanto esforço para se colocarem constantemente no caminho um do outro . ❞ não era um ultimato , tampouco uma nova confissão — àquela altura , era uma súplica , e ela ansiava , com todas as forças , que ele fosse capaz de enxergar o significado nas entrelinhas . após sorver o final do ristretto , esboçou um discreto sorriso antes de acenar para a atendente , solicitando o fechamento de sua conta e a de aaron . ele ainda estava no meio da refeição , mas neslihan julgava ter dito tudo o que lhe era possível e não via sentido em prolongar ainda mais as fisgadas que aquele assunto provocava nele . ❝ offro io . ❞ a afirmação veio suave , enquanto seus olhos permaneciam fixos aos dele , carregando um brilho sutil — que esperava ser um equilíbrio delicado entre desculpa e compreensão . ❝ preciso ir , ou o que deveria ser apenas uma hora extra no fim do dia logo se tornará três . buon appetito ! ❞ ao se levantar , passou por ele com naturalidade , pousando levemente a mão sobre seu ombro antes de seguir adiante .
@khdpontos
Aaron apertou a mandíbula, sentindo o peso das palavras de Nes. Ele odiava quando ela fazia isso—quando expunha as rachaduras da sua lógica como se estivesse apenas apontando o óbvio. Mas ao mesmo tempo, era por isso que ele a amava tanto. Gostava que sua melhor amiga não abaixava a cabeça para ele, mesmo quando estava no pior dos humores. Como aquele, naquela manhã. "Considerar um recomeço?" Ele riu, mas sem humor. "Eu considerei", disse entredentes, sem conseguir conter a frustração. Blackwell precisou fechar os olhos e respirar fundo, antes de continuar a falar, com mais calma. Comedidamente controlado. "Quando ela foi embora, considerei. Durante meses, anos, considerei. Mas tudo tem limite, porque em todas às vezes em que tentei...era como se estivesse tentando agarrar fumaça." Ele desviou o olhar, passando a mão no cabelo e bagunçando todos os fios, um hábito involuntário quando tentava conter a frustração. "Se tinha algo maior impedindo, ótimo. Mas nunca foi algo grande o suficiente pra ela sequer me dizer." Ele odiava falar sobre isso, odiava pensar que sua amizade não tinha sido suficiente para Olivia, enquanto a amizade de Nes sim. Porque cada vez que dizia em voz alta, ficava claro o quanto ainda importava para ele. Quando Nes perguntou por que ele escolheu lidar com Olivia, ele parou por um segundo. Sabia a resposta. Mas não queria admiti-la. "Sei lá", mentiu, dando de ombros. "Eu preferia que ela me evitasse, mas seria péssimo pra minha imagem ficar parecendo que estou recusando clientes. Sou profissional, não posso fazer isso." Ele ergueu uma sobrancelha, como se a resposta fosse evidente. "Ossos do ofício", tentou argumentar, ainda que essa não fosse a verdade inteira. Ainda que soubesse que Nes conseguia perceber a mentira. Ele poderia ter ignorado. Poderia ter mandado outra pessoa atendê-la. Mas não fez. Porque uma parte dele, por menor que fosse, apreciava as raras e pontuais interações que eles tinham.