Respiro fundo e te beijo. Te beijo porque tu mereces ser beijado por todos os dias da tua vida. Te beijo e te cuido, porque tu me cuidas também, e porque me dediquei a cuidar-te desde o dia em que te amei. Acaricio teu rosto, te beijo outra vez nos olhos, na tua testa e me aplico em sentir o cheiro que se esconde debaixo dos teus cabelos. Toco o fim das tuas costas e noto toda a tua pele. Que bom é o aroma do ar que sai dos teus pulmões. Que suave é a tua mão que passeia pelas minhas costas e que só faz me trazer para mais perto de ti. Que sonho é tocar meus lábios nos teus e saber que sou tua, e que você me valoriza. Que satisfatório olhar para trás e ver a estrada que percorremos até aqui. Casa comigo agora mesmo, a cada minuto das nossas vidas, casa comigo, porque ando desesperada de tanto amor guardado dentro desse peito tão débil. Abraça meu corpo e me diz que o lado esquerdo do teu peito é só para mim. És minha segurança, o tesouro que guardo, minha vontade de permanecer aqui, viva e forte, construindo um caminho bonito para desenhar pegadas de mim e de ti, até que seja da estrada que ninguém tem a certeza se é fim.
Nunca me fiz de rogada, a verdade é que, antes mesmo dele eu já ansiava. Ansiava por alguém, por algo. É um tanto clichê redigir e conduzir os ideais de uma garota não tão comum que sentia não encaixar-se em um mundo tão… tão mundo, mas a verdade que pairava sobre mim é que o interno nunca foi interessante o suficiente e aprendi cedo demais que o externo era o que destacaria-se perante uma sociedade tão superficial e, sorte a minha ser tão bela. Modéstia à parte eu era ridiculamente bonita, com meus longos cabelos cor de laranja, olhos profundamente azuis, sardas que exibiam-se angelicalmente sobre as maçãs de meu rosto e contornavam delicadamente meu nariz empinado. Meu corpo? Esbelto com curvas estrategicamente postas para agradar os olhos até dos mais exigentes, mas nada disso valia-me, já que a única coisa do qual tudo isso me proporcionou foram noites longas remoendo amargamente um desastre natural das palavras não ditas àquele imbecil.
A verdade é que assustava-me a intensidade com o qual ele me olhava. Seu olhar tão impetuoso sobre mim, fazia-me queimar sobre minha própria pele e querer correr em busca de algum refúgio desconhecido que me protegesse de qualquer decepção, mas sinceramente? Não reconhecia qual.
[...]
Eu desejava tão intensamente que ele soubesse todos os pormenores que dedicava à ele, sem sequer saber que fazia por ele. Uma playlist no spotify, um livro ou outro, até mesmo minhas desventuras noturnas em meio a um gole ou outro de uma cerveja gelada concluíam-se no mesmo ritual, o de ouvir alguma música estúpida que declarasse inverdades sexuais… me lembravam ele. Não que o visse apenas dessa forma, mas CARALHOOO! Por Hades, querido!!! O que me tomou foi muito além da minha própria cerne, foi minha alma… até que comecei a protagonizar-me em cartas enormes que te escrevi e nunca as enviei. Sempre fui humilde a ponto de entender que nunca possui tino para a escrita, diferente de você, mas em meio às minhas inúmeras tentativas, te escrevi.
— b.m
E o que eu poderia ser, se não… Sua? Cada parte de mim desejando a sua como se desde o primeiro momento de vida pertencêssemos um ao outro. Sou tua como tu é do mundo… Cada parte do meu corpo grita teu nome… Como anseias tu pela liberdade!
Não, não, muito cafona, apesar de sempre ter tido certa habilidade para breguices…
Nunca soube direito como se inicia um diário. Menos ainda como se começa com aquele clichê de “querido diário” — soa como se eu escrevesse para alguém, quando na verdade escrevo para mim mesma, sobre ele, é claro. Deixe-me tentar outra vez.
Querida eu, que insiste em complicar o simples…
Deixei de ser a menina dos olhos dele. Ele não disse com palavras, mas sempre tive esse talento questionável de ler silêncios e preencher as entrelinhas — um hábito cultivado que, supostamente, deveria nos proteger de corações partidos. Engraçado, não tem funcionado muito bem, confesso. Eu sei. Talvez ele também saiba. A verdade é que nosso amor se amansou. Virou aquela calmaria confortável, como a brisa fresca das manhãs que se alongam preguiçosas, com o cheiro do café recém-passado e o silêncio doce de quem aprendeu a gostar do tédio da solitude. Nosso amor, querida eu, tornou-se isso há tempos. E eu ainda teimo em chamar de amor, pois é o que sinto. Quanto a ele… talvez reste um carinho morno, uma consideração educada por tudo o que vivemos. Às vezes até, ouso pensar que o que sobra é só conveniência, talvez comodismo. Por que é isso que as pessoas fazem, não é? Voltam ao que conhecem quando a vida se torna vazia demais… ou insuportavelmente cheia. Extremos. Sou o ponto de conforto dele. E nós duas sempre achamos isso bonito, não é? Sei que você está aí, sorrindo de canto, se deliciando com a ironia, achando graça dessa nossa mania de ver poesia na melancolia. Para alguns, ser o lugar seguro de alguém pode parecer desolador, como se você deixasse de ser alguém e se tornasse apenas uma função, mas não para nós. Existe algo genuíno e poderoso em ser o que quer que ele precise. (Querida eu safada, por favor, não malicie essa maldita frase). E assim seguimos…
Pensei em escrever para Chico e Zé, perguntar o que diriam sobre esse amor tão plácido, tão… contido, para que me ajudassem a colocar em ordem essa serenidade de amar o que já não queima, mas, no fundo, sei que só estou escrevendo para mim, o que futuramente entenderei como uma carta de rememoração sobre o sentimento do que foi, o que ficou, o que mudou — e, talvez, exorcizar esse tolo medo do que ainda pode ser, enquanto peço baixinho, feito prece sussurrada para um santo que não sei o nome, que de algum jeito, nós nunca deixemos de ser a menina daqueles lindos olhos — os mais belos olhos que já vi: os dele.
— b.m
Oh, you fill my head with pieces of a song I can't get out!
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