Tião é Sebastião. Herdou o nome do pai, homem trabalhador, cor de mel, nascido em Minas Gerais em 1930. Do pai herdou o nome e a tristeza, que para essa gente preta e pobre do interior é inata. Os olhos de Tião são dispersos, viajam longe, como se ele nunca estivesse no presente. A simplicidade vem nos gestos, no jeito manso de se expressar, incapaz de fazer mal para alguém. As palavras são ditas com certa insegurança. Tião é homem de pouca informação, mas muita imaginação. Sua voz é rouca, seus cabelos e barbas brancas, revelam a idade. Um homem que cresceu em meio as violências domésticas e da vida. Violência é a palavra que define sua trajetória. Violências das mais diversas, físicas e psicológicas. Uma vez Tião me confessou que quando criança adorava matemática, mas logo depois completou dizendo manso e paciente: “mas naquela época gente pobre não estudava”. Tião não casou, não teve filhos, e ainda mora na casa que os pais deixou, há cerca de quarenta anos ou mais. Ele mora com os irmãos e uma irmã, que assim como ele tiveram uma vida sofrida. Outro dia Tião foi encontrado na rua, bêbado, sem condições de sustentar o próprio corpo. Uma sobrinha o viu naquela situação e buscou ajuda. Pensou que estivesse sofrendo um ataque cardíaco, um infarto ou derrame. Mas Tião, que tem pressão alta, bebeu dois copos de pinga no dia do seu pagamento, e a bebida subiu de tal jeito que ele não suportou. Poucos dias depois do ocorrido Tião procurou a sobrinha para se desculpar, sinal de humildade inconfundível, disse a ela que ele sentia muito pela vergonha que a fez passar e que havia tomado dois copos de pinga para ver se a dor passava, porque há anos se sente angustiado. Tião é chamado pelos familiares e conhecidos de Tiãozinho. Tião é muito sozinho. Olhos carregados de tristeza e frustrações. Olhos que olhamos em estado de contemplação e reflexão. Olhos que nos transporta para dimensões outras da vida, uma dimensão onde não há materialidade. Os olhos dele é mar e é rio. Há pessoas cujos olhos estão sempre marejados, como os do Tião, que parecem estar sempre segurando o choro, porque sabe que se deixar rolar as lágrimas podem nunca cessar e molhar todo o corpo ferido, das pernas ao coração. Quando Tião se desculpou com a sobrinha, deixou uma lágrima escapar, não que ele quisesse. Foi apenas uma lágrima teimosa que insistiu em escapar. Como Tião, há milhares dessas pessoas no mundo. E eu sempre me pergunto onde a humanidade foi parar. Sempre que olho nos olhos das pessoas é possível encontrar a verdade delas, e foram poucas as vezes que eu consegui enxergar pessoas em estado de plenitude.
P.S. “Tião não sabe, mas eu o amo!”
Aline Rafaela Lelis
Eu sempre espero algo mais da vida. Dificilmente tenho momentos que bastam por si só. Estou sempre querendo algo mais da noite, da despedida, de uma canção. Vivo em estado de êxtase, como se o próprio viver fosse um vício, e eu precisasse sempre de outra dose de tudo. Só para sentir no peito a delícia de estar vivo e o delírio que é viver em busca de si mesma. E quando penso que estou quase perto, algo em mim foge e se esconde, e a busca nunca finda, nem descansa.
Aline Rafaela
Nota de Celular, 24/04/2016
Preste atenção a seus pensamentos. Eles vão se tornar atos. Preste atenção a seus atos. Eles vão se tornar hábitos. Preste atenção a seus hábitos. Eles vão moldar seu caráter. Preste atenção a seu caráter. Ele construirá seu destino.
Margaret Thatcher (via stoalin)
O mundo vai tentar te destruir de várias formas. Portanto, continue a caminhada com Fé em Deus. Mesmo que abatido, triste, decepcionado ou machucado. Não se deixe enganar pelos olhares alheios. Os bons serão reconhecidos pelo brilho intenso e verdadeiro que carregam no olhar. Já os maus trazem, bem no fundo dos olhos, um ar de esperteza. Basta estar atento e saber distingui-los. Se você se enganar, não se abata. Não dê ouvidos aqueles que julgam. Não é necessário. Seja você sempre, não faça política. Ela se faz inútil para quem tem FÉ. Siga em frente, sorrindo ou chorando. Confiante de que não está sozinho. Confiante em sua alma e seu espírito. Confiante no que diz o seu coração. Somos sozinhos, e no fundo devemos sempre contar contar com a presença da nossa alma e tudo fluirá perfeitamente.
Aline Rafaela
Carta para João, 07/12/2016.
Tente passar pelo que estou passando Tente apagar este teu novo engano Tente me amar pois estou te amando Baby, te amo, nem sei se te amoTente usar a roupa que estou usando Tente esquecer em que ano estamos Arranje algum sangue, escreva num pano Pérola negra, te amo, te amo Baby, te amo, bem sei se te amoRasgue a camisa, enxugue meu pranto Como prova de amor mostre teu novo canto Escreva num quadro em palavras gigantes Pérola Negra, te amo, nem sei se te amoTente entender tudo mais sobre o sexo ehh Peça meu livro querendo eu te empresto uhh Se inteire da coisa sem haver engano Baby, te amo, nem sei se te amo Pérola negra, te amo, te amo Baby, te amo, nem sei se te amo Pérola Negra, te amo, te amo Pérola Negra, te amo, nem sei se te amo Baby te amo, nem sei se te amo Baby te amo, nem sei se te amo
Bunda de mulata?
Não existe mais essa parada.
Gosta do meu estilo afro,
Mas não aceita meu passado.
Diz que essa coisa de cor não existe.
Eu sei, é verdade.
Mas depois vem me dizer que
Adora minha cor chocolate?
White. What?
Foi ao Brooklyn e não curtiu,
Diz que os brother não foi gentil
Que se sentiu acoado
Enquanto devia ser coroado.
White. Once more. What?
Afinal, você é um branco descolado,
Que adora música black e uma preta do seu lado
O que você precisa entender
É que tem coisa
Que não está no sangue
Está na vivência e convivência constante
White. I repeat. What?
Não venha me impor suas regras
E suas verdades triunfantes
Dê chance a si mesmo
De ir mais fundo nesse lance
E entender que o que você aprecia,
Pode ser o que o outro experencia
Como forma de resistência
Consciente ou inconsciente.
Portanto,
Muito cuidado ao dizer
O que não sente
E muito menos compreende.
White. What?
You did not feel on the skin, the indifference in the eyes of a similar.
Aline Rafaela
Oração
Enquanto aguardava o ônibus na guarita, percebi que estava no meio de uma estrada e que dois homens me observavam invasivos e sedentos. Talvez esperando qualquer “sinal” meu que eles pudessem interpretar “essa aí tá pedindo”. Eu comecei a ficar nervosa e angustiada. Os dois me olhavam e conversavam entre si. Enquanto isso, os motoristas que passavam em suas carretas gritavam qualquer coisa, “cantada?”. Foi então que comecei a pensar em todas as mulheres que talvez, naquele momento, estivessem passando pela mesma situação, com medo, sentido-me culpada antecipadamente por um crime que sequer havia ocorrido. Eu pensava: “Se aqueles homens que me observam há um metro de distância ou qualquer homem que parasse seu automóvel agora me violentasse, eu seria a culpada, afinal, por que não escolhi outro lugar para pegar o ônibus? Ou por que não resolvi meu problema antes, para não precisar estar aqui sozinha? Ou ainda, por que estou de cropped na beira do asfalto?” Fiquei com vontade de chorar. Coração apertado. Daí comecei a pedir ajuda das deusas, fui evocando mulheres que admirava, pensando nas minhas ancestrais, e uma canção foi entoada. Senti meu corpo arrepiar e a presença de uma forte energia que acalentava meu desespero. De repente me senti forte. Me senti uma guerreira e juro que seria capaz de destruir qualquer homem que atentasse contra meu corpo. A canção entoada foi assim:
“Iansã me proteja de todo mal de todo homem.
Iansã me proteja de todo mal de todo homem”.
Entoei essa canção e marquei o ritmo com palmas. Senti no coração a força de uma legião de mulheres guerreiras. Não parei de cantar um segundo. Até que os dois homens que me observavam foram se distanciando, e em pouco tempo um homem uniformizado se aproximou. Ele era funcionário da empresa de transporte que eu aguardava, esperava o mesmo ônibus, chegou com serenidade nos olhos, não o vi como ameaça. Diminuí meu canto e passei a repeti-lo mentalmente. Meu ônibus chegou. Mandei uma mensagem para uma amiga sobre como estava me sentido. Ela respondeu: “Sinto muito que esteja se sentindo assim. Sinta-se abraçada. Você não está só!”
Aline Rafaela
Manter a esperança
Fadiga da espera
De ver tudo melhorar
A fio os fatos
Me ponho a sabotar
Sonhos e desejos
Que nunca esperei realizar
É tempo de espera
Espera paciência
Colheita é promessa
Do fim da loucura
Do pesadelo, da tortura
Espera no abraço
Fortaleça os laços
Sorria entre amigas
Aprenda algo novo
Enquanto a loucura não cessa
Vá para roda de samba
Vá para um show de reggae
Abrace crianças, dê atenção aos idosos
Espalhe amor
Porque o tempo está difícil
Há muita intolerância
Proteja nossas crianças
Com o escudo da razão
Conte uma história bonita
Mergulhe seu corpo no mar
Inventa canções
Se aqueça no sol
Descanse quando o corpo pedir
Mantenha a esperança
Preciso de ti
Tudo vai melhorar
Quando esse (des) governo cair
Não é que eu queira vingança. Eu apenas quero justiça. Te encontrar daqui uns tempos, um ou dois anos talvez. Eu linda, vestida de ouro, pele reluzente, cabelos macios e um sorriso branco. Quero sim estar impecável. E quero que me veja com meu novo amor. Não, não pense nele. Pense em mim, meu novo amor sou eu. E quando me ver assim lindamente leve e radiante, quero que veja a mim novamente. Doce, suave e paciente. Quero que sinta essa Oxum, que hoje navega sobre águas calmas. Quero que me veja e me reconheça, e quem sabe possa você sentir lá no fundo amor. Me deixa ir com meu amor próprio e com o amor do meu novo companheiro. E se pergunte onde foi que tudo acabou. Quero que saiba só de olhar; que para “nós” não haverá mais chance, e sinta o que eu senti quando você disse disse é o fim. Que a sua consciência do fim o faça ir na lua e voltar por um segundo. Depois vá tomar uma bebida forte e continuar fingindo que eu não faço falta na sua vida pelo resto dos seus dias.
Aline Rafaela
(Fragmentos em papel toalha, Out/2016)
Moço, se soubesse que por detrás do seu sorriso encontraria ilusão. Já evitava de antemão esse contragosto. Te pouparia da minha fúria de mulher machucada! Que depois de cada sexo se sente usada, e não sabe aproveitar o momento sem criar grandes expectativas. Afinal, meu desejo de ser amada, não é fruto dessa madrugada. Trago as entranhas machucadas. São gerações de mulheres mal amadas. Faz parte da minha linhagem essa ânsia de amor de verdade. Amor que na realidade não é nada demais. É cuidado! Atenção de quem tem interesse de alma, de quem sonha e compartilha sonhos, de quem enxerga nos olhos da amada um horizonte de felicidade. Minha bagagem é pesada, eu sei. Mas "não vou posar de ser perfeita pra você"! Eu já tenho para mim, que eu mereço um amor real e que se importa. Uma hora esse amor bate à minha porta. E o êxtase será tão grande, que as entranhas feridas serão curadas. Da minha linhagem toda a dor será extirpada. Então, no lugar de feridas, lindas cicatrizes, de quem acreditou ser merecedora de todo amor do mundo.
Aline Rafaela